A decisão do relator da PEC da Transição de elevar o teto de gastos em R$ 175 bilhões por dois anos para acomodar o Bolsa Família de R$ 600 em vez de extrapolar o limite estabelecido por lei trouxe algum alívio ao mercado nesta terça-feira (6).
No entanto, os planos do governo eleito não deixam de desenhar um cenário fiscal preocupante para os próximos anos, o que pode envolver alta dos juros, piora do risco país e fuga de capital, segundo economistas ouvidos pelo CNN Brasil Business.
“Essa PEC acaba com todas as âncoras fiscais que nós temos hoje. Acaba com o teto de gastos, permite mudar o teto daqui a um ano por lei complementar e não reforma constitucional, ou seja, é uma PEC bastante negativa do ponto de vista fiscal”, diz José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos.
Um dos pontos mais preocupantes do texto, segundo ele, é a sugestão que está na PEC de que o déficit público pode vir a ser financiado no futuro via aumento de emissão de moeda em vez de dívida. Isso realmente é bastante preocupante.
“[Essa ideia] é inaceitável. No curto prazo, vai fazer com que a moeda perca credibilidade, o que causaria uma fuga de recursos do real para outras moedas, gerando uma tendência de desvalorização cambial que pode ser bastante complicada”, diz.
PEC do Estouro / Arte/CNN
O economista pondera que, apesar de o formato da PEC ter mudado, o aumento dos gastos previstos para o próximo ano continuam sendo de R$ 200 bilhões, algo em torno de 2% do PIB (Produto Interno Bruto).
“[Elevar o teto em vez de extrapolar o limite] faz uma pequena diferença. Se você simplesmente tira do teto, não sabe o que vai acontecer com esses gastos do futuro. O valor do auxílio poderia até ser elevado no ano que vem sem exigir uma reforma constitucional”, diz Camargo.
A proposta, lida mais cedo pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, é similar ao que vinha sendo proposto pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), mas em um valor bastante superior. O senador tucano falava em apenas R$ 80 bilhões a mais no limite do teto de gastos.
Dessa forma, com o teto sendo inflado, o estouro no teto de gastos seria o equivalente aos R$ 23 bilhões para investimentos públicos com receitas extraordinárias e outras brechas, como doações para universidades, transferências de estados e municípios para recapeamento de estradas pelo Exército, etc.
Silveira também determina em seu relatório que, se a PEC for aprovada, o presidente da República deverá enviar até 31 de dezembro de 2023 um novo arcabouço fiscal com o objetivo de substituir o teto dos gastos.
Leia mais
Relator da PEC adiciona R$ 175 bilhões ao limite do teto de gastos
Relator apresenta PEC do Estouro na CCJ e diz que debate pode se estender até quarta (7)
Poupança tem saída líquida de R$ 7,4 bilhões em novembro, aponta BC
O problema, alertam especialistas, com ou sem âncora fiscal, dificilmente esses gastos serão reduzidos no futuro. “Vai ser difícil limitar esse valor em dois anos, pois, a partir do momento em que se faz uma expansão fiscal, depois haverá uma capacidade limitada de fazer a restrição. Mesmo sendo possível retirar depois, mas politicamente é impossível”, diz Murilo Viana, especialista em contas públicas.
A aprovação da PEC com essa expansão fiscal carrega outros vários efeitos na economia. “Temos que considerar que a relação dívida/ PIB no Brasil próximo dos 80% já é bem elevada considerando outros países com a economia semelhante, além de termos um custo de rolagem da dívida muito alto. Se concretizar o furo do teto acima dos R$ 130 bilhões, o país terá que lidar com um esfriamento da atividade econômica”, diz Viana.
Neste cenário, os analistas de mercado já preveem uma retomada no ciclo de alta de juros. Com isso, o país teria o juro real subindo por causa da reação do Banco Central para trazer a inflação à meta.
“O câmbio tornaria outro problema, e a tendência é de que o dólar se mantenha crescendo acima dos R$ 5,50, aproximadamente. Isso impactaria na alta do risco fiscal, ou seja, tendendo ao rebaixamento da nota das agências de rating, os fundos de investimentos estrangeiros deixaram de aplicar recursos no Brasil por conta dessa queda de ranking”, explica.
*Com informações de Raquel Landim
Este conteúdo foi originalmente publicado em Apesar de novo formato, PEC desenha cenário fiscal preocupante, dizem economistas no site CNN Brasil.
Business – Confira notícias da Editoria | CNN Brasil